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Artigos e opinião

Reaprendendo a viver uma nova experiência. Ensinando a colher melhores frutos

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Jorge seguia calado o trajeto em direção a sua nova escola. O trepidar da viagem implicava-o, aumentando ainda mais sua insatisfação -“Não gostei dessa escola” – não parava de pensar desde que dissera ao seu pai, alguns quilômetros atrás, quando dele se despedia, ao subir no ônibus escolar. O pensamento era contínuo, sua insatisfação por aquele momento crescente. Em sua lembrança recente, o diálogo com o pai:
– Pai, tem certeza que esta é a melhor escola pra mim, desde que saímos de lá ontem, estou me perguntando por que tenho que estudar ali. Nem se parece com a Escola Família Agrícola que estudava lá no Norte.
– É uma questão de tempo, meu filho. Logo o governo vai encontrar uma situação mais adequada pra gente. Você já entendeu que a gente não podia mais ficar lá no Norte. Depois do assassinato do Josias, você bem já sabe que eu e sua mãe poderíamos ser os próximos, talvez até mesmo você. Ficar lá no assentamento seria um risco de vida pra gente. Aqueles madeireiros não estavam mais pra brincadeira de blá, blá. Eles mandaram matar o Josias covardemente e as ameaças eram de que ele não seria o último. Ainda bem que a Polícia Federal já prendeu o assassino, mas os mandatários do crime contra a gente ainda estão foragidos. Por isso que o governo nos enviou pra cá e nos colocou sob proteção do Estado. E não foi só a gente, a família do Josias e dos outros companheiros que coordenavam a associação do assentamento, todos estão por aí, noutras cidades do Brasil. Fique tranqüilo, é uma questão de tempo e você vai voltar pra uma Escola do meio rural.
Essas palavras do pai, Jorge não conseguia esquecer.
– “É, mataram o Josias, como deve está meu querido amigo Tiago. Ficou sem seu pai e ainda nos separamos. Como deve está ele agora?” – pensou alto.
Sentiu o ônibus reduzir a marcha e mudou de atenção. Olhou ao redor e viu mais cinco estudantes acenando e brincando à frente do veículo, enquanto este lentamente foi estacionando por cima de um barranco de terra, perto de uma porteira. Eram três garotos e duas meninas que demonstravam alegria e espontaneidade. Jorge os viu subirem, brincarem com o motorista, chamando-o de papaizinho querido, enquanto um dos garotos brincava puxando umas de suas orelhas com leveza. Uma das meninas o olhou profundamente e Jorge sentiu certo alvoroço interno, enquanto ela se aproximava e sentava-se ao seu lado.
O ônibus retomava o trajeto lentamente balançando de um lado para o outro, o que provocou uma algazarra geral nos estudantes. “Agora vai virar” gritou um adolescente na parte traseira do veículo. Jorge se virou pra ver o garoto travesso que não parava de gritar sendo logo acompanhado de outros colegas. Enquanto segurava com força o apoio de sua poltrona percebeu que a garota do lado não parava de olhá-lo.
– Você é novo aqui, não é? Perguntou a menina de cabelos lisos e olhos negros que aparentava 15 anos de idade – Meu nome é Larissa, disse oferecendo a mão para cumprimentá-lo.
– Eu sou Jorge, Jorge de Souza. É meu primeiro dia na escola. Chegamos aqui na semana passada. Meus pais estão sob proteção da Polícia Federal, pois vinham sofrendo ameaça de morte lá no assentamento em que morávamos em Rondônia.
– Quem os ameaçava e por quê? Indagou Larissa.
– Meu pai era presidente da associação dos Agricultores do Assentamento Vale da Serra, onde morávamos. Tudo estava indo bem, até que chegaram uns fazendeiros há uns cinco anos atrás e começaram a impor uma política de desmatamento na região. Meu pai junto com outros agricultores passou a denunciar esse crime e aí começaram as ameaças. Faz uns quinze dias que meu pai e seu amigo Josias foram à rádio comunitária e denunciaram os fazendeiros. Não deu outra, quatro dias depois, fizeram uma emboscada e mataram o Josias covardemente.
– Mesmo? O que aconteceu depois, a polícia prendeu os assassinos? Perguntou Larissa demonstrando certo espanto.
– Prenderam sim. Eram três pistoleiros de aluguel contratados pelo fazendeiro Couto da Silva. Mas este último, principal responsável, conseguiu fugir da região. Mas antes deixou vários recados de que Josias não seria só o único e que meu pai seria o próximo da lista, conforme foi apurado no inquérito policial. Desse modo, a promotoria pública entrou com um processo de proteção policial para meu pai e a melhor decisão foi mudar de lá por uns tempos. Um conhecido de meu pai morava aqui antes indicou este lugar pra gente vir e agora estamos escondidos. Espero que isso não demore muito. Lá em casa tem um policial que praticamente está morando com a gente. Além do mais a Polícia Civil daqui sempre vai ronda lá em casa desde que chegamos aqui.    
– Que história incrível. Já vi isso na televisão, mas nunca imaginaria que conheceria pessoalmente uma história dessas, afirmou Larissa olhando Jorge bem nos olhos.
Jorge olhou pela janela e viu que o ônibus já estava entrando na cidade. No momento, um silêncio pairou entre ele e Larissa. Alguns minutos depois, o ônibus atravessa uma grande praça onde ele viu alguns garotos brincando de bola numa área descampada. No lado oposto, um conjunto de lojas e o Banco do Brasil indicavam que ali era o centro comercial da cidade. Mas à frente viu um grande muro branco e reconheceu a escola que iria estudar a partir de agora. Mas uma vez a sensação de insatisfação veio à tona em sua mente, todavia, evitou qualquer comentário com Larissa. Quando o ônibus parou, Jorge esperou que todos saíssem inclusive Larissa. Ficou sentado olhando a correria que alguns garotos faziam em direção a uma lanchonete. Foi o último a descer e se surpreendeu ao ver Larissa esperando-o na calçada.
– Parece que você não está muito disposto pra estudar aqui, perguntou a menina mostrando um olhar de curiosidade diante do novo amigo. Onde você estudava lá no Norte, a escola era boa?
– Eu estudava numa escola agrícola. Estava fazendo a oitava série. É bem diferente dessa escola. Não sei se vou me acostumar rápido. Lá a gente estudava em tempo integral. Tinha aula de zootecnia, agronomia, veterinária. Eu, por exemplo, era monitor de apicultura. A gente produzia mel pra escola vender. Aliás, a gente lá produzia tudo, tinha horta, galinheiro, um grande pomar com vários tipos de frutas. Faz um mês que a gente plantou mais de três mil pés de mamão papaia. Lá tem um riacho bem volumoso de onde a gente puxou água pra quatro tanques de piscicultura, isso foi quando eu estava na quinta série. Aqui nessa escola eu não sei se vou me adaptar, é uma escola urbana e eu gosto é de escola rural. Mas a mais próxima daqui está a 600 km, na Cidade de Goiás, pelo que meu pai disse. É a EFAGO – Escola Família Agrícola de Goiás. Um dia quero ir lá conhecer. Você gostaria de estudar numa escola agrícola?
– Não sei, já estou acostumada a estudar a aqui. Um dia quero ser professora de História. Mas vai demorar.
Jorge e Larissa subiam o extenso degrau do Colégio Estadual Joaquim da Silveira, quando foram ultrapassados por dois professores que passaram apressados. Jorge observou que eram conhecidos de Larissa, pois um deles brincou com ela carinhosamente dizendo “Como é que vai a menina mais estudiosa do colégio?”. Jorge percebeu como ela o olhou com ar de satisfação. Os dois seguiram pra sala de aula. Coincidentemente, estudariam juntos na mesma sala. A sala do 8º A.
Dias e semanas passavam rápidos e Jorge ia adaptando-se a sua nova realidade colegial. Certo dia, numa aula de biologia, quando estudavam morfologia vegetal, Jorge apresentou um trabalho, no qual utilizou como base de sua pesquisa, fotos da horta que cultivava na sua antiga escola.  Na apresentação, demonstrou os tipos de hortaliças e suas nomenclaturas, distinguindo as plantas que conseguira consorciar num mesmo espaço. O trabalho de Jorge muito impressionara a professora Mircéia que logo, dias depois, apresentou uma proposta de se fazer uma horta no colégio. A motivação foi feita junto aos alunos e se pensou um projeto interdisciplinar, envolvendo professores de biologia, geografia, história, química, português e matemática. A direção do Colégio convocou uma reunião com os pais e mestres; chamou os vereadores e o secretário municipal de obras e gestão urbana. O resultado dessa reunião foi de que a horta no colégio seria um grande proveito para várias situações. Além dos estudos com atividade prática ainda seriam os frutos da horta um melhor aprimoramento no cardápio da merenda escolar. A prefeitura se prontificou a oferecer os utensílios de trabalho e transportar os estercos da fazendo de seu Manoel, pai de um dos alunos, e que fora um dos mais motivados para a idéia da horta no colégio. Um dos vereadores se comprometeu a doar quatro carros de mãos, outro vereador se comprometeu a doar as sementes para o plantio. E Jorge foi indicado por todos como o aluno responsável para ajudar na administração da horta.
Três meses depois.
Na hora da merenda Jorge estava sentado junto com Larissa e Alfredo, seus amigos mais íntimos. Naquele dia, o cardápio era: sanduíche de sardinha recheado com tomate e alface acompanhado com suco de acerola.
-Uma delícia esse sanduíche, dona Rosinha caprichou mesmo no lanche de hoje, dizia Larissa lambendo os lábios.
– Ei Larissa, você sabe que não se deve falar com a boca cheia. Não lembra mais da aula de filosofia, quando a professora Terezinha nos ensinava modos e etiquetas, brincou Alfredo.
– É que tá muito gostoso, Alfredo, vou pedi mais um pedaço a dona Rosinha, a aula de matemática lá na horta me deixou com uma fome de elefante. Além de aprender geometria, tive que fazer dois canteiros pra gente plantar rúcula. O canteiro da gente deu uma área retangular de 9 m². E o professor Beto ainda disse que poderíamos puxar para o lado direito um ângulo de 90º e estender, perpendicularmente, o canteiro em mais 6m².
No momento, Jorge que saboreava seu lanche, olhava aquela garota que se afastava em direção a cozinha da escola. Lembrou do dia em que se conheceram quando vinha estudar no Colégio Estadual Joaquim da Silveira bem desmotivado. Agora não, estava bem entrosado naquela sua nova escola. Lembrou da última carta que havia escrito pra seu amigo Tiago contando a experiência da horta no colégio e tudo que estava acontecendo com ele nos últimos meses. Viu Larissa voltando da cozinha abocanhado um pedaço de tomate e à sua mente vieram as últimas palavras escritas da cartinha que recebera como resposta do seu antigo amigo Tiago: “Por que você não diz pra Larissa que está apaixonado por ela ?”. Olhou profundamente para a amiga que se aproximava, sentando-se ao lado de Alfredo. Olhou-a bem nos olhos e pensou alto:
– “De hoje não passa o que tenho a dizer pra você!”.

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