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Artigos e opinião

Ignorância e desrespeito: quando o egoísmo é mais forte que o amor ao próximo e ao meio ambiente!

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No momento em que todos gritavam, raivosamente, sobre a nova situação, inusitada, determinada pelo poder público de que nenhuma parte do cerrado deveria ser desmatada, o senhor Constantino estava pensativo. “Sei que eles estão certos, mas como resolver isso?- tudo está confuso em minha cabeça, sei que meus pais erraram em desmatar a beira do rio das fonte mas sou eu quem vai ter que pagar o pato agora?” 
Como presidente da Associação dos agricultores do Vale sem Fim, fora preparado para ser a grande oposição ao ato de fechamento de parte das terras por onde circunda o rio que corta as propriedades das pessoas ali presentes. Olhou o horizonte oposto ao rio e viu um relevo também cheio de pasto. Em sua visão, várias novilhas nelores pastando ao relento;  ao fundo, uma imagem quase opaca pela tênue luz daquele fim de tarde. No momento, o agente do IBAMA falava sobre a importância de respeitar a lei nº 4.771/65, a qual determina a proteção de florestas nativas e define como áreas de preservação permanente matas ciliares e encostas de morros com declive superior 45º.
O agente do IBAMA falava cada vez mais alterado, procurando se impor, perante o crescente alvoroço, toda vez que dizia: “vocês que tem terra cortada pelo rio das fontes, vão ter que respeitar a lei e reflorestar trinta metros de cada lado do rio, isso já está decidido pela promotoria pública, não adianta esse alvoroço!”.
O senhor Constantino, absorto em seu lugar, ao lado do representante do governo, sentia que a situação estava fugindo ao controle, justamente pelo crescente balburdio que ameaçava cada vez mais o destino final daquela reunião. Olhava aquela situação, quando tomou a palavra o terceiro componente da mesa, o promotor de justiça Everardo Silva. A reunião tendia, naquele instante, à dispersão. Os associados presentes era uns trinta, mas o galpão, no meio do pequeno pomar que circundava a sede da associação, estava repleto com mais de cinqüenta pessoas presentes, muitas das quais não sofriam diretamente com a nova medida. Estavam ali como curiosos e alguns até em apoio aos fazendeiros que teriam que reflorestar a mata ciliar.
A situação da reunião realmente chegou ao limite quando uma camioneta estacionou perto do galpão, fazendo levantar uma poeira espessa. De dentro do carro saiu um senhor acompanhado de dois outros. A chegada deles chamou a atenção de todos pela forma como adentraram no recinto impondo ares de arrogância. Nesse momento, o promotor de justiça explicava sobre a decisão de fechar as terras dos fazendeiros para reflorestamento da mata ciliar:
– Vocês terão que arcar com a despesa do cercamento da terra. Estamos em contato com a ONG SALVANDO A TERRA, que vai oferecer as mudas de plantas do cerrado, só que vocês terão que pagar uma taxa de R$ 3,00 por cada lote de cinqüenta mudas, uma pequena contribuição. 
Assim que os fazendeiros mais exaltados escutaram o que disse o promotor, o clamor foi geral, pois além de gastarem com a cerca, ainda teriam que comprar as mudas.
– E você Constantino? Vai ficar aí calado, não vai falar mais nada? – gritou do fundo da pequena platéia o fazendeiro Almeida, logo interrompido por outro fazendeiro que gritava cada vez mais exaltado.
– É isso mesmo Constantino, você ontem disse pra gente que esse negócio de fechar parte de nossas terras pra recuperar meio ambiente é uma balela, que a lei é coisa pra inglês ver. E agora? O que você vai fazer como nosso representante. Vou perder dois alqueires de terra, as melhores do meu pasto, só por causa desse tal de meio ambiente – descreveu a situação o fazendeiro Josefino, aquele que havia chegado na camioneta e proprietário que mais havia desmatado a mata ciliar do rio das fontes.
Perante a fala do senhor Josefino, todos os presentes entraram em pavorosa situação. Do lado oposto ao fazendeiro Josefino, gritou um jovem chamado Ernesto, sobrinho de Constantino e que chegara ao Vale Sem Fim dois meses, depois que terminara o mestrado em agronomia ecológica.
– Tio, lembre do que lhe eu disse ontem à noite. Nós temos mesmo que consertar os erros do passado. O senhor, nem qualquer dos que estão aqui tem o direito de cortar a mata ciliar do rio das fontes pra colocar boi ou fazer outra coisa qualquer. Hoje, vocês devem tomar a decisão certa e salvar a natureza. Esse rio é muito importante pra todos, mas do que gado no pasto.
-Cala a boca moleque safado! Insistia o fazendeiro Josefino, procurando interromper o jovem.
– Tio, por favor, cale esse idiota do Josefino que só tem interesse nele próprio e não liga pra ninguém. Quando o senhor precisou dele outra vez, lembra, ele te disse na cara: “eu penso primeiro em mim, depois, se puder, penso na possibilidade de ajudar alguém…” Agora ele é o que mais ta inflamando todo mundo contra a Associação. Ele é um divisor, o senhor deve acabar com essa situação, tio, fazer resistência ao meio ambiente é bobeira, a lei está na defesa da natureza, não importa se aqui no Vale sem Fim ou em qualquer outro lugar do mundo.
Enquanto falava, Ernesto dirigiu-se à frente do grupo reunido e conclamou todos de que não havia mais o que fazer, todos tinham que proteger o rio das fontes.
– Cala a tua boca, jovem desgraçado! Não é você que vai gastar dinheiro com esse tal de meio ambiente. Gritou o fazendeiro Josefino, indo em direção ao jovem com os punhos em riste.
– Não, a lei tem que ser cumprida, e desgraçado é o senhor, seu egoísta de uma figa. O senhor é que mais tem terra aqui e, também, o que mais tem agredido o meio ambiente. Olhe lá o que o senhor fez – apontou o jovem para os relevos do lado oposto – está vendo aquela serra, o senhor não devia ter desmatado, pois ali também é área de preservação permanente, o senhor quer colocar vaca até no topo do morro das araras e mais uma coisa…
O jovem não pode terminar de falar, interrompido pelo soco que recebera do fazendeiro Josefino. No instante, seu tio Constantino pulou por sobre a mesa à sua frente, e partiu em direção ao fazendeiro Josefino. Não pôde chegar perto, pois foi atingido por um tiro disparado por um dos homens que acompanhava o fazendeiro Josefino. A partir de então, houve uma evacuação geral, com todos correndo para fora do galpão com receio de que alguém mais fosse ferido por bala. O homem que atirou olhou para seu patrão e escutou “fuja logo daqui, pois você o acertou em cheio”. No chão, estendido com um sangramento crescente, estava seu Constantino, apoiado pelo sobrinho que gritava.
– Peguem o carro dele, precisamos socorrê-lo com urgência.
Com a fuga dos executores daquela ação, o promotor já ligava pra a Polícia Militar, enquanto carregavam o senhor Constantino para o hospital da Cidade.
***************
Três dias depois, num quarto do Hospital Santa Gertrudes, entravam o promotor de justiça e o agente do IBAMA. No recinto, encontravam-se Ernesto e a Esposa de seu Constantino.
– Como ele está, perguntou o promotor de justiça?
– Vai sofrer um pouco, mas vai sair dessa. Segundo o médico que o operou, a bala ficou alojada perto do coração, mas não chegou a atingi-lo, senão, teria sido morte na certa. E o Mudinho, foi preso, eu soube. Mas e o seu Josefino, será que vai sofrer alguma penalização pois de certa forma, ele foi um dos mais responsável pela situação.
– Isso vai sim, pois no depoimento do senhor Mudinho na delegacia fiz questão de estar presente, e constatamos que antes do caso, foi por ordem do fazendeiro Josefino, que foi armado pra reunião, aquele fazendeiro não vai sair impune dessa situação. Uma coisa importante, apesar de quase trágica, é que a grande maioria dos fazendeiros do Vale Sem Fim já estão providenciando o cercamento das terras, pois um grupo liderado por Almeida procurou-me ontem à tarde.  A associação, decidiram, vai assumir a coordenação do reflorestamento da mata ciliar. Hoje, um grupo já estaria em contato com a ONG SALVANDO A TERRA, para adquirirem as mudas; um outro grupo está preparando um multirão para delimitar o local da cerca. Acho que daqui pra frente esse fato vai ficar só na história do Vale Sem Fim…
– O senhor Almeida, engraçado, ele era um dos que mais estavam contra o reflorestamento do rio, é uma surpresa para mim, disse o jovem Ernesto.
– É verdade, segundo me confessou em particular, o susto que teve ao ver o amigo Constantino, desfalecido ao chão, a partir de então não conseguia mais dormir. Está com a consciência doendo e que topou de imediato, ser testemunha no caso contra os agressores do seu tio. Disse ainda mais, que se o Senhor Constantino sair dessa, vai ser uma nova pessoa, o primeiro a defender o meio ambiente no Vale Sem Fim.
– Pura ironia do destino – falou secamente o jovem, olhando seu tio no leito daquele hospital, e concluiu: para muitas pessoas, a verdade só chega a custo de sangue derramado, é uma pena que isso tenha sempre que acontecer!

 

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