Artigos e opinião
Cidadania e espiritualidade
Marcelo Barros Monge beneditino e escritor. Publicou vários livros no Brasil, América Latina e Europa. O destaque é: A Noite do Maracá, editora REDE/ UCG, 1998.
Mesmo que haja pessoas que ainda pensam que uma coisa nada tem a ver com a outra, todas as grandes e antigas tradições espirituais procuram ligar o céu com a terra e o caminho de auto-aperfeiçoamento com a missão de construirmos juntos um mundo mais justo e solidário.
De fato, o termo “cidadania” é novo e não aparece nos antigos livros sagrados. Entretanto, o que ele denota e a realidade para a qual aponta está presente sim como dignidade humana e responsabilidade de cada pessoa diante de si mesma, dos outros e do Espírito, Mãe da Vida e fonte de amor universal. O Budismo fala na vocação humana para a Compaixão como grande solidariedade. O Islã em ser dócil à misericórdia divina no trato com todas as criaturas. O Judaísmo fala de amor ao próximo e na construção de uma sociedade justa. O Cristianismo procura desenvolver isso como missão de testemunhar que somos todos e todas cidadãos do reinado divino no mundo.
Os antigos livros da Bíblia insistem que todo ser humano tem uma dignidade real. É como um povo de sacerdotes que representam Deus para o universo e, ao mesmo tempo, elevam toda criação até Deus. Os cristãos herdaram das escrituras judaicas esta noção de cidadania do reino. Jesus viveu em um mundo no qual a maioria do povo pobre era excluída da participação social e política. Conforme o evangelho de Mateus, a primeira palavra pública que ele pronuncia é justamente o anúncio de que os empobrecidos serão felizes porque terão plena cidadania no reinado divino neste mundo, os aflitos encontraram conforto, os sem-terra e sem teto possuirão toda a terra como herança (Mt 5).
Muitas vezes na história, estas palavras de Jesus foram lidas e interpretadas como se ele dissessem: “aceitem sofrer e ser marginalizados neste mundo que eu lhes prometo a pátria celeste”. Entretanto, ele ensinou os discípulos e discípulas a pedir não para irem ao reino dos céus (como um grupo religioso que conheço costuma orar: Vamos ao vosso reino) e sim ele insistiu que pedíssemos: “Venha (para cá entre nós) o teu reino”. Esta é a tarefa de toda pessoa que busca uma verdadeira espiritualidade: saber-se cidadão do mundo inteiro, para lá dos nacionalismos e das divisões que se erguem entre nações e raças e, lutar pacificamente para que sejam respeitados os direitos de cidadania de todas as pessoas. Nos anos 70, no Centro-oeste, os lavradores costumavam cantar: “Queremos terra na terra. Já temos terra no céu”. Ser cidadãos do céu como diz Paulo na carta aos filipenses (Fl 3) nos garante o direito de ser plenamente cidadãos\ãs da terra.

