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Cultura

Entre pés-de-moleque e dribles de futebol

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O mês de junho no calendário brasileiro tem uma característica diferenciada de outros meses do ano, por se tratar de festejar o junino. Explico-me: é tempo de arraial, de festa de quadrilha para celebrar e “reviver”nosso passado ainda presente vivido no campo, no mundo rural. Nossa história agrária brasileira formulou uma cultura rural que tem nas festas do mês de junho no Brasil do interior, campo, do sertão, um modo de expressar os valores de mundo da cultura popular e sertaneja. Nesse ano, de forma mais presente, temos outro evento, em nível mundial que circunda os festejos juninos: o evento da copa do mundo, torneio mundial de futebol das nações (e mais uma vez a seleção brasileira se apresenta nesse campeonato). O curioso é a maneira como as festas juninas podem fazer lembrar esse acontecimento tão presente – festejo caipira e jogo de futebol. Digo isso por observar uma festa junina, e lógico, apresentação de quadrilhas numa escola estadual em Iporá-Go.

A festa ocorreu no dia 13 de junho (dia considerado pela Igreja Católica de santo Antônio – que na cultura popular é reconhecidamente como o santo casamenteiro), na Escola Estadual Joaquim Berto. Uma escola que trabalha o ensino fundamental, tendo como orientação pedagógica o processo de inclusão dos/as alunos/as da comunidade. O que particularmente chamou atenção foi a dinâmica da festa. Nessa dinâmica, a temática da Copa do Mundo estava presente na abertura da quadrilha realizada por alunos/as da escola, ao coreografarem a dança junina, trazendo como tema a presença dos/as africanos/as no mundo. Festejo junino e quadrilhas que lembram esse momento do enaltecimento do futebol é fazer síntese entre realidades culturais diversas: o rural/quadrilha e o urbano/futebol. Essa reflexão aproxima-se de uma noção sociológica trabalhada por Nísia Trindade Lima (1999) em sua obra Um Sertão Chamado Brasil, da qual faz uma análise tendo como referência os padrões de dualidade na análise e interpretação de intelectuais sobre a representação geográfica da identidade nacional. A autora parte da referência entre realidades dicotômicas:sertão e litoral, numa espécie de analogia entre o interior/rural e o insular/civilizado do Brasil. Tem-se assim uma metáfora para analisar práticas e representações dos indivíduos na sociedade, portanto, ao associar festa junina e o elemento do futebol na dança típica da quadrilha, o movimento da escola entra nessa dinâmica de aproximação de distâncias sociais. Explico: aproxima realidade histórico-sociais antagônicas e com características particulares, no caso citado aqui, campo-cidade/sertão-litoral. Em uma perspectiva mais radical, relaciona opostos, como barbárie e civilização. Afinal das contas, todos/as nós temos “um pé” no mundo rural, mas com o desenvolvimento do capitalismo, a cidade, o urbano, a dita civilização desenvolveu em Nós-Sujeitos um desejo de sair do atraso (representado pelo rural) e atingir a meta civilizatória do progresso, que em “tese”, está diretamente relacionado à complexificação do moderno no urbano. Eis nosso paradoxo! Desejemos o modo de ser “civilizado da cidade”mas em muitos momentos, como o das festas juninas, experimenta-se um sensação do “perdido”, a nossa relação com o mundo do campo. Em nós, há esse bucolismo sentimental e uma certa dosagem de romantização da realidade rural, como se esta fosse vivida sem as durezas do trabalho, da violência da luta pela terra no Brasil. Vemos muitas das vezes, nós que estamos na cidade, o campo como um certo tipo de “paraíso perdido”e esquecemos a trajetória da expropriação do camponês e de seu modo de vida no espaço rural, que produz sim uma cultura sertaneja, rústica, popular e é essa manifestação da cultura caipira, do homem e mulher da roça e suas práticas cotidianas que são retomados na representação das festas de junho. E ao integrar uma visão de mundo da cidade, no ritmo e temática da dança com a Copa do Mundo, traz presente a noção dialética, a interação entre universos diferenciados (campo e cidade) e nos alerta para uma síntese dos contrários, não negando quaisquer possibilidades de contradição existentes em torno dessa relação entre mundo do sertão e do litoral. Outro aspecto a ressaltar na festa junina promovida pela Escola Estadual Joaquim Berto diz respeito a sua capacidade de integração entre os diferentes. Realizou na prática um postulado teórico de Marx no sentido de constituir a “unidade no diverso”. Isso foi demonstrado na maneira como todas as crianças e adolescentes puderam participar da festa, da dança, integrando pessoas com dificuldade de mobilidade, de cognição, esforçando ao máximo de suas capacidades educativas para que houvesse integração entre os próprios estudantes, educadores/as e a comunidade participante do festejo. Essa “unidade no diverso” pode também ser lida a partir da análise de José de Souza Martins (1997) sobre a idéia de Fronteira. Sua concepção está voltada para entender como o capitalismo gerou realidades sociais desumanizantes no processo de colonização do interior brasileira, por meio das frentes de expansão pioneiras no século XX. A Fronteira para Martin seria o desencontro entre “Outros”, limite da relação entre o “Eu”colonizador e o “Outro”colonizado. Para ele, o capitalismo expande e aprofunda esse distanciamento, fomentando realidades de sofreguidão e desumanização dos sujeitos. Nossa análise situa-se nessa compreensão de Fronteira em Martins(1997), apropriando do conceito de Fronteira, da qual ao fazer o processo educativo de seus discentes promove com o projeto político-pedagógico uma reformulação do aspecto fronteiriço entre estudantes, educadores e comunidade, ao não “excluir”de sua prática pedagógica o diferente, mas exercendo um papel de motivar a aproximação desses entre si, em suas realidades diversas e divergentes, assim como é a aproximação da fronteira entre campo-quadrilha e cidade-copa do mundo. A realidade entre distâncias não deve anular conflitos, pois devem considerar na condição humana o fator das contradições, que ao serem apropriadas por nós leva ao entendimento de ver na Fronteira uma possibilidade de construir uma nova forma de existir humanamente, não como sujeitos separados uns dos/as outros/as, como constantemente vivemos por causa da reprodução psíquica do capitalismo em nossas formas de pensamento e atitudes, mas como seres capazes de aprender com os conflitos e diferenças constituídas ao longo de nossa constituição sócio-histórica. Então, experiências como essa da Escola Joaquim Berto deve ser motivo de divulgação e congraçamento, pois na “mistura” entre pé-de-moleque e dribles de futebol, há negação de práticas excludentes da pessoa sem também deixar perceber nossas contradições individuais e sociais no limiar da Fronteira entre sertão e civilização.

 

 

 

Leonardo Venicius Parreira Proto
Mestrando em História pela UFG, bolsista da CAPES/CNPq
Professor do curso de História da UEG (UnU/Iporá).

 

 

 

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