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Goiás

Engraxate de Goiânia se torna bacharel em Direito

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O jovem Joaquim Pereira Ramos Filho, de 23 anos, tem uma história exemplar de vida. Conseguiu pagar a faculdade de Direito e todas suas despesas mensais em Goiânia engraxando sapatos. Ontem à noite um sonho foi concretizado pelo rapaz, aconteceu no Teatro Rio Vermelho sua colação de grau no curso de Direito, feito na faculdade Salgado de Oliveira (Universo) nesta capital. Joaquim, como muitos que perseveram em seus sonhos, teve a ajuda de muitas pessoas. Desembargadores, outros advogados, empresários, enfim. Além da persistência do jovem, a sorte pelo visto está ao seu lado.

Ele, que é natural de Monte Alegre de Goiás, uma cidade com cerca de 8 mil habitantes que fica a 569 quilômetros de Goiânia, partiu para sua nova jornada na cidade grande, em 2006, quando tinha apenas 17 anos. Joaquim tem outros três irmãos, sendo ele o caçula da família.  De início morou com o irmão mais velho, Elmo Pereira. Com ele trouxe, além da sua força de vontade, a caixa de engraxate que usava desde os 11 anos para trabalhar em sua cidade natal. Mal sabia ele que isso seria um divisor de águas para seu futuro. Joaquim ficou os primeiros três meses desempregado, ele havia pensado que encontrar um emprego em Goiânia, seria algo mais simples. O primeiro emprego foi em uma loja de enxovais, onde ganhava R$ 350 por mês. Ficou um período curto trabalhando, segundo Joaquim, o salário era pouco, para muitas despesas.

Foi daí que teve a ideia de voltar a engraxar: “Olha, acabou que  um dia eu decidi mudar de emprego. Quando pensei em vir para Goiânia, sonhei em trabalhar em uma empresa, crescer lá dentro, subir de cargo, estudar para isso, mas onde eu estava percebi que isso não ia acontecer. Cheguei em casa, pensei, onde eu morava eu já conseguia um dinheirinho com isso, não era possível que aqui iria ser diferente. Peguei minha caixa de engraxate e saí para a rua, no primeiro dia ganhei R$ 20. Já era dinheiro suficiente em comparação ao que eu ganhava, na segunda-feira, depois desse dia, pedi minhas contas e voltei a ser engraxate”, diz.

Mas como nem tudo são flores, o rapaz ainda tinha muita coisa para vencer, uma delas era o preconceito. “Já enfrentei muita coisa na vida, eram muitas “palavras”, as pessoas ficavam me dizendo, você vai largar o serviço para engraxar, eles não acreditavam no que eu estava fazendo, mas eu sabia, ia fazer isso só por um tempo, até arrumar outra coisa melhor, e nisso eu ainda estava estudando no ensino médio “, explica.

A escolha do curso superior

Quando decidiu fazer faculdade, Joaquim ainda não sabia ao certo qual curso fazer, mas grande parte de sua clientela era advogado e procurador, ele na época engraxava na porta do Fórum, o que o influenciou na hora da escolha. “Eu decidi que ia estudar, ia fazer Direito, liguei para minha família e contei, ninguém colocou muita fé em mim não, ficaram dizendo, mas como você vai pagar isso menino, mas eu disse: eu vou engraxar e pagar, eu ganho até bem com isso, dava pra pagar, ficava apertado o orçamento, mas mesmo assim fui e fiz o vestibular. Passei e comecei o curso. Isso foi em 2008”, ressalta.

As pessoas que trabalhavam no Fórum ou sempre apareciam para engraxar seus sapatos com o jovem o ajudaram muito. “Eu ganhava muitos livros para a faculdade do pessoal que eu atendia, era bem difícil, porque a mensalidade inicial era de R$ 600, e foi subindo”. Joaquim diz que não contava na sala de aula que era engraxate, seus colegas de classe poderiam não aceitá-lo, mas jamais teve vergonha de seu trabalho. Segundo ele, sua história veio a público com uma matéria do DM, no ano de 2008, no primeiro período de faculdade. “Foi muito importante, os meus colegas perceberam que era um trabalho digno, e até se aproximaram mais de mim”, diz.

Um de seus professores, Neival Xavier, conta um pouco como ele se comportava como aluno. “Era muito interessado, na monografia que eu o orientei, tirou nota máxima. Até onde sei é um rapaz que começou a trabalhar muito cedo, e até hoje é assim, ele é sim especial”, explica.

Segundo o professor, o rapaz sempre foi assíduo às aulas e quando precisava sair mais cedo, sempre informava, o que demonstrava respeito, segundo Neival. “Ele também tem o meu respeito, chegou até aqui por mérito, e ainda vai muito mais longe”.

A ajuda na hora certa

Joaquim conta que um dia quando estava trabalhando em um restaurante da Rua 9, um dos senhores, um empresário que atendia, o percebeu, ouviu sua história e decidiu ajudá-lo. “Ele decidiu pagar uma parte da minha mensalidade para me ajudar, ele pediu uma comprovação de que eu realmente falava a verdade, levei os documentos da faculdade, arrumei os papéis direitinho, e levei na empresa dele”.

O empresário era Carlos Alberto Nascimento, que, em entrevista ao DM, contou como conheceu Joaquim e por que se comoveu. “Ele é um rapaz raro, do tipo de gente difícil de se encontrar hoje em dia. Determinado, trilhando seu caminho sem prejudicar ninguém, fazendo a história dele. Trabalhando engraxando sapato, eu o conheci assim, meus amigos e eu somos clientes dele. Ele nunca me pediu absolutamente nada, eu quis ajudá-lo, é uma ajuda pequena eu sei, R$100, mas era um incentivo para que ele não desistisse, que ele continuasse, sabe, não deixar a peteca cair. Eu falei para ele, passa na minha empresa semana que vem que eu vou te ajudar, ele foi lá, conversamos, eu disse para ele que se ele quisesse podia almoçar lá todos os dias, mas ele nunca apareceu, ele ia, pegava o dinheiro todo mês e só, eu sempre conversei muito com ele”, diz.

Além dessa ajuda, na semana passada Carlos e Joaquim foram ao shopping Flamboyant em Goiânia, mais precisamente na loja de vestuário masculino Aramis Menswear, para comprar seu traje da colação de grau. Segundo Joaquim: “Ele me levou na loja, compramos camisas, sapatos, o terno, um monte de coisa, sou muito grato a ele”, ressalta. Para Carlos, a ajuda foi muito válida. “Minha filha também se formou em Direito no ano passado, ela quer muito ir à colação de grau dele hoje (19), e eu também vou tentar chegar lá a tempo, ele mereceu tudo o que eu fiz por ele”, esclarece.

O jovem também conseguiu uma bolsa de estudos pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), mas isso já no penúltimo período de faculdade. Nesse meio tempo também conseguiu um estágio na Procuradoria Geral do Município (PGM), através da indicação de um dos seus clientes, um advogado.

Joaquim disse que hoje em dia ganha cerca de R$100,00 por dia e engraxa 20 pares de sapato. Ele não pretende parar até conseguir a carteira da OAB. “Engraxando, eu acabo tendo mais tempo para estudar, dá para conciliar, é a segunda vez que vou tentar, na primeira, faltou cinco pontos na primeira fase para conseguir passar, agora estou estudando bastante, e se Deus quiser vai dar certo”,  ressalta. Ontem na hora de fotografar, Joaquim estava engraxando o sapato do procurador do Estador Wederson Chaves, que também o considera um rapaz empenhado.

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